O termo sabotagem vem do francês sabot, que significa “tamanco” ou “sapato feito de madeira”. Tornou-se muito comum a partir da revolução industrial, quando se descobriu que os trabalhadores grevistas e descontentes colocavam intencionalmente seus tamancos nas engrenagens das máquinas para causar danos e paralisações. Também existe outra corrente que associa o termo sabotar ao ato desleixado de caminhar ruidosamente, arrastando os tamancos.
Consultando o dicionário descobri vários significados para a palavra sabotar: danificar, quebrar, destruir, minar, impedir o avanço ou sucesso de algo… Vivi na pele todos esses termos durante essa semana, quando desejava escrever esse artigo e simplesmente não conseguia. Minha engrenagem estava paralisada e eu buscava um culpado externo por essa sabotagem.
Como boa parte das respostas está dentro de nós mesmos, resolvi pensar um pouco mais e descobri a causa do problema. Eu pensava ser um Marcos Sousa totalmente único e integrado até o momento em que descobri dentro de mim um conjunto de partes, ou vários “Marcos Sousa”, assumindo diferentes papéis, em busca de diferentes necessidades, desejos e demandas. Um mosaico de partes compondo um todo chamado Marcos Sousa.
Não está entendendo? Calma! Deixe-me explicar. Em vários momentos, percebi que enquanto uma parte de mim queria escrever esse artigo, outra parte queria ficar deitado só relaxando. Enquanto uma parte queria brincar com meu filho, outra tinha compromissos profissionais, e outra ainda me lembrava dos exercícios físicos. Também havia uma parte de mim querendo um tempo para navegar nas redes sociais, outra querendo dar atenção à esposa, e outra parte interessada numa boa conversa com os amigos. Enfim, muitas partes diferentes querendo coisas diferentes ao mesmo tempo.
Percebi que a parte que desejava atenção e não era ouvida, unia-se a outras também esquecidas para retardar a escrita desse artigo. Ou seja, elas se revezavam num esforço cooperado de sabotagem, jogando tamancos em toda minha engrenagem mental. E comecei a pensar em quantas de nossas tarefas, deveres, compromissos, promessas e objetivos são sabotados por partes de nós mesmos? Quantas vezes não avançamos na vida por sermos nossos próprios sabotadores? E por que eu sabotaria a mim mesmo?
Parando para observar a intenção de cada parte dessas milícias organizadas, descobri que todas as intenções e razões eram boas e positivas. Cada uma a seu modo buscava uma atenção especial: “Ei… eu estou aqui. Preciso de sua atenção. Também sou importante! Não vou permitir nenhum avanço, enquanto não me derem valor”.
E observando suas armas, percebi que elas sequestravam não só meu tempo e minhas ações, como também minhas emoções toda vez que eu tentava ir contra a vontade delas. A estratégia delas era tão organizada que chegavam até a sequestrar minha saúde e vitalidade. Faziam com que eu me sentisse mal no final do dia por não ter feito meu trabalho. E pouco adiantava no dia seguinte eu relembrar meu compromisso, pois mais uma vez tinha sempre uma parte me convencendo: “Depois você faz… Fica aqui comigo… Tá tão gostoso… Você não vai me abandonar, vai?”.
Minha salvação foi encontrar no meio dessa greve de partes, alguma mais iluminada que me deu a ideia de convocar todas as partes para uma reunião, ouvi-las e entrar num acordo, a fim de garantir a todas atenção, energia e tempo. Confesso que não foi uma tarefa fácil organizar tantos “Marcos Sousa” numa única sala. Graças a Deus que minha parte paciente me ajudou muito nessa hora.
As partes criativa e paciente conseguiram rapidamente o apoio das partes trabalhadora, transformadora, sonhadora e solidária, a fim de convencer as restantes de que seria bom para todas se eu pudesse parar para escrever agora esse artigo nessa madrugada. Confesso que a parte que gosta de dormir foi a mais resistente, mas facilmente convencida, quando foi lembrada de tantas vezes que permitiu a perda de uma horinha de sono por algo que valesse a pena.
Enfim, resolvi apresentar a todas essas partes sabotadoras, porém amigas e companheiras, que eu teria uma dor coletiva, duradoura e maior do que qualquer prazer individual e efêmero. Convenci a todas que a realização feliz seria o desejo da maioria das partes reunidas. Foi uma conversa muito interessante, pois descobri diversas partes que estavam esquecidas e desprezadas. Elas ficaram felizes por conquistarem o tão sonhado direito ao voto.
Aprendi que muitas vezes sofremos de dores desnecessárias, desgaste físico, colapsos emocionais, inércia mental e tantos outros problemas, porque estamos ocupados demais com algumas de nossas partes, em detrimento das demais. Não importa se você terá que distribuir fichas para atender cada uma delas por vez, ou se terá que ceder mais do que imagina. O mais importante é você impedir que alguma greve, sabotagem ou resistência impeça sua caminhada e a realização de seus sonhos. Talvez seja essa a hora de você organizar a casa. Seu sucesso depende disso!
Você pode reunir suas partes sabotadoras, ouvi-las e atender cada uma por vez, a fim de sabotar qualquer dor ou sofrimento que esteja sentindo nesse momento. Afinal, existe dentre de você pelo menos uma parte que entende de sabotagem. Convoque-a e ensine as demais a sabotar a dor da infelicidade, a dor da depressão, a dor do medo, a dor da raiva… Enfim, sabote todas as suas dores atuais, em vez de sabotar a si mesmo. Se a dor é a ausência do prazer, o prazer também pode ser o sabotar da dor! Agora vou lá, pois tem uma parte de mim com sono dizendo que uma hora já se passou. E, claro, todas elas agradecem sua leitura.
Viva aos tamancos!
23/11/2012